Ex-usuários de drogas se reúnem para comemorar o renascimento

Após anos de dependência, grupo de classe média alta se reúne em clínica para contar tempo longe das drogas. E revela que a luta contra o vício só é possível ao lado da família e de amigos
Em meio à natureza, grupo de sobreviventes das drogas se reúne em clínica de Betim, na Grande BH, para avaliar o passado e dar voz ao instante. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 22% dos brasileiros acima de 18 anos já usaram drogas psicoativas, além do álcool e do cigarro, alguma vez na vida. Entre os estudantes, o uso frequente de drogas é de 3,6%. Na Vila Verdade, Gabriel, Raulzito, Ghost, Ulisses e Deodoro, nomes fictícios, revelam o pesadelo do fundo do poço e a luta para se manter longe do vício que se faz doença e esfacela famílias. São cidadãos de classe média alta que chegaram a queimar no crack R$ 500 por dia. Hoje, limpos, mostram-se prontos para o renascimento.
Em coro, uma constatação: há vida longe das drogas e ela pode ser muito boa. Gabriel, de 49, mora com a mãe, de 75, e com o filho, de 18. Diz que há vida sem drogas repetidas vezes, para reforçar a crença num futuro melhor. Com vocabulário jovem, conta o tempo que está limpo: cinco anos, 11 meses e 11 dias. Fez uso de todo tipo de droga dos 10 aos 43 anos. Foi traficante, esteve preso e conheceu os “porões do inferno”.
Nele, muitas marcas: piercings, tatuagens e carisma. Conta viver “um dia de cada vez”, com planos de continuar “progredindo nas coisas da vida”. “O amor… antes não sabia o que era, aprendi que é uma coisa muito boa.” Gabriel diz que quem usa drogas não se vê sem usar. O professor conta ter conhecido o outro lado da vida quando, depois de overdose de cocaína, passou dois meses em coma. “Hoje, estou vivo, né, velho?”.
O II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil indica que mais de 11 milhões de pessoas já se drogaram no país. Para Vasti de Vasconcelos Spínola, especialista em dependência química, o mal, que abate gente de todas as classes, se encarado como doença pode ser efetivamente combatido. “O dependente precisa saber que está doente e querer ser tratado. Só assim ele se reaproxima da realidade. Precisa de autoconhecimento, de desenvolver a autoestima. É importante que ele recupere valores espirituais.”
recaídas Para a diretora clínica da Vila Verdade, as atividades físicas, a leitura e a escrita são atividades fundamentais para a recuperação. A psicóloga vê na mudança de hábitos forte aliada contra as recaídas. “O usuário precisa reconstruir a rotina. Se, ao acordar, deixa a cama pela esquerda, precisa experimentar a direita. Se sai para comprar pão de manhã, precisa ir à padaria à tarde.” Segundo a fundadora do centro de tratamento de Betim, para manter-se limpo é preciso viver um dia de cada vez. “Não é fácil, mas é absolutamente possível”, diz.
Quem vê o rapaz bem apessoado não imagina os dias de terror vividos desde a adolescência. Raulzito, de 28, desde os 21 luta bravamente contra a dependência. Tem longo histórico de internações e tratamentos, que incluem passagem por clínica em São Paulo. Conta ter entrado no mundo das drogas por meio da maconha e do álcool, aos 13. Aos 15, cocaína, e daí por diante LSD e ecstasy. Até que, aos 22, conheceu o crack. O empresário da construção civil compara longo período da vida ao filme O show de Truman, com Jim Carrey. Na fita, o personagem é protagonista de um bizarro reality show. “Eu me via na televisão, na tela. Estava certo de que todas as pessoas, os vizinhos estavam ligados no meu canal, assistindo a tudo o que eu fazia. A qualquer momento eu esperava a cortina cair para que eu soubesse a verdade”, relembra.
Força Raulzito revela que pensou em se matar para acabar com a farsa. “Estão todos me vendo, seguindo a minha vida. Pensava que se tentasse me matar, a direção não permitiria, porque senão o show teria chegado ao fim”. Conta ter encontrado nos Narcóticos Anônimos (NA) a força para se tratar. Aos 21, passou nove meses no Recanto de Caná, em Ribeirão das Neves, com 150 dependentes.
Diz ter se fortalecido lá, mas pouco tempo depois teve nova recaída. “Foi só voltar a beber para um novo descontrole. Voltei a frequentar as mesmas festas, com as mesmas pessoas e, aos poucos, entrei na cocaína.” O empresário admite ter perdido amores e chances profissionais devido à droga. O momento é de basta. Limpo, o rapaz da Zona Sul está otimista com os negócios prósperos e com os novos rumos da vida.
Fundo do poço
Ulisses, de 27, é outro jovem em plena volta por cima. O moço de comunicação e arte começou cedo com as drogas – aos 13, com o álcool. Para o LSD, ecstasy e cocaína foi um pulo que o lançou ao fundo do poço. “Fui preso duas vezes. Marcou-me muito o olhar arrasado da minha mãe na delegacia. Nunca vi nada igual. Não esqueço”, diz. O publicitário diz que achava problema apenas a cocaína. Pensava poder ficar na maconha e no álcool. “Dizia para mim mesmo: ‘Preciso parar de cheirar’. E não conseguia, até que pedi ajuda ao pai de uma amiga que já tinha passado por problema parecido.”
Aos 23, Ulisses internou-se numa clínica por 30 dias. “Ficava o dia inteiro só na base de remédios. Foi péssimo. Estava perto de dramas de todos os tipos e isso chamou a minha atenção”, avalia. Ele passou a fazer parte do NA e entendeu que não estava sozinho, mas não se deixou abalar pelos momentos de fraqueza e, a cada dia, passou a acreditar ainda mais na vida longe das drogas. “Estou há seis meses e 20 dias limpo”, orgulha-se.
Um caminho com volta
Do grupo reunido, apenas Ghost, de 33, ainda é residente da Vila Verdade. Está em tratamento há 90 dias. Conta o último período dos quatro meses de programa. O comerciante revela que resolveu buscar ajuda logo que deixou de se reconhecer, perdido, afastado da mulher e dos amigos. Foram 18 anos de maconha e 10 anos de pó”, revela. Ele fala da boa condição da família e da paranoia. “Só agora fui conhecer a abstinência. Sempre tive droga à vontade”, diz.
Ghost conta ter sido trazido, voluntariamente, pela mulher e pelo pai. “Disse ao meu pai que se aqui eles me dessem remédios eu estava fora, não ia nem passar do portão. Estou lúcido o tempo todo. O que posso dizer é que é mais fácil do que imaginava”, garante. O empresário, jovem, casado, considera absurdo passagens de sua vida até o início do ano. Diz que chegou, por vezes, a errar o caminho de seu trabalho. “Voava e não conseguia chegar à loja. O fundo do poço foi passar dois dias sem dormir, jogando poquer no computador, só cheirando.”
A situação de dependência das drogas piorou depois que, longe dos pais, ele passou dois anos na Inglaterra, “com liberdade total”. Logo depois, em 2003, a morte da mãe o fez repensar a vida. Este ano, Ghost decidiu dar basta ao que parecia não ter solução. Motivado pelo “um dia de cada vez” vivido na Vila Verdade, faz planos para o futuro: quer formar-se em direito.
O coração não foge à luta
Na sala de janelas para a mata, ao som da farra dos pavões, uma mulher morena forte de olhar profundo é a imagem do amor de mãe que não se abala. Rosa, de 61, tem ao lado Deodoro, de 31, filho caçula, ex-residente da Vila Verdade. História que se repete, já tão ouvida, iniciada com álcool e maconha. Por fim, o abismo aberto pelo crack, aparentemente sem saída. Não para dona Rosa, inabalável, crente na recuperação de Deodoro, que chegou a perder todo o patrimônio, conquistado como promoter de festas badaladas na Grande BH. Ela quer que a recuperação do filho seja exemplar para outras famílias, desesperadas. “É ter fé. É não desistir nunca e ter sempre um voto de confiança para oferecer.”.
Nem quando recebeu telefonema dizendo que o filho havia sido achado morto, esfaqueado, dona Rosa sucumbiu. “Sabia que não era ele. Não podia ser ele.” No hospital, a confirmação do que “o coração já sabia”. O corpo era de um traficante que havia recebido o celular do filho em troca de crack. Desde que soube da doença de Deodoro, Rosa procurou ajuda psicológica e participou de todos os encontros para aprender a lidar com a dependência do caçula. “É importante a família ficar unida, vivendo ao lado, com a compreensão da doença. Com informação e coragem”, ressalta.
Apoio total
Deodoro é a imagem do carinho com dona Rosa. Motivado, limpo há 129 dias, o promoter garante: “Não existe isso de que as drogas são um caminho sem volta. Tem solução, sim. A gente precisa apenas de alguém para nos dar a mão”, diz. Entre as passagens mais absurdas estão a média diária de R$ 500 com drogas e oito dias de festa sem dormir. Na lama, 15 quilos mais magro, chegou a trocar um botijão de gás por droga.
A mãe conta que o filho teve taquicardia em festa rave e por pouco não morreu. Deodoro conta os furúnculos que teve por todo o corpo. “Meu físico começou a demonstrar a minha realidade. Minha vida era acordar e correr atrás do crack. Perdi tudo da minha casa. Para qualquer um eu pedia R$ 10”, diz. “Não aguentava vê-lo pedir R$ 10. Mas eu dava. Preferia ele fumando crack na minha casa, do meu lado, do que com qualquer um na rua.” Segundo o promoter, a mudança veio pelo desgaste da mentira: “Estava cansado de decepcionar quem me amava.” Este ano, depois de episódio envolvendo a confiança quebrada em uma namorada que deu-lhe a mão, Deodoro decidiu se internar.
serviço
Inaugurado em março, em Betim, Vila Verdade é um centro particular para tratamento de dependência química, com 15 mil metros quadrados e programa de acolhimento e orientação familiar. Mais informações: http://www.vilaverdade.com.br ou pelo telefone (31) 3059-3001.
(fonte: http://www.estaminas.com.br)



























hoje e aniversario de kaio matleus marcolino desejamos muitas felicidade pra vc muitos beijos de sua familia que te ama muito.