JUIZ CONSIDERA CANDIDATOS IMPUGNADOS!!

Trata-se de pedido de impugnação de registro de candidatura aforada pelo representante do Ministério Público Eleitoralrepresentado pelo seu Promotor de Justiça Dr. Marco Antônio Meiken, em face dos candidatos a vereadores, José Edgar Guireli, Joel Talarico Elesbão, José Oscar Gomes, Fernando Aparecido Pereira, Cláudia Aparecida Benati, Décio Fred, Geraldo Lopes Santos, Francisco Carlos Guarini Correa, Christian Caroli, Roberto Leandro, Hercules Divino de Faria, devidamente qualificados, pelas razões a seguir aduzidas.

Diz, em síntese, que os impugnados, candidatos nas eleições de 2008, tiveram suas contas de campanha, ante a prática de ilícitos que comprometeram sua irregularidade, julgadas e desaprovadas por decisão definitiva da Justiça Eleitoral, desta feita não cumprindo com obrigação eleitoral imposta, no caso a estrita observância das normas de arrecadação e gastos de campanha. Afirma que os impugnados, ante a desaprovação das contas de campanha, em razão da Resolução do TSE nº 21.823/04/TSE, incorreram na ausência de quitação eleitoral, assim não reunindo a plenitude dos direitos políticos.

Aduz que a recente decisão do TSE mantendo-se como conteúdo da certidão de quitação eleitoral apenas a referência a não apresentação das contas, omitindo-se quanto a eventual desaprovação, produz efeito prático apenas a inexistência de previsão legal de suspensão de quitação eleitoral como consequência das contas da campanha eleitoral de 2012, não tendo, portanto, o condão de alterar os normativos anteriores e, ainda, a situação jurídica dos candidatos que, nas eleições de 2008, tiveram suas contas desaprovadas pela Justiça Eleitoral, em decisão definitiva, considerando que nas eleições pretéritas a disciplina sobre arrecadação e gastos de campanha e a devida prestação de contas era regulada pela Resolução TSE nº 22.715/08, ao prever no § 3º do art. 41 que “(…) a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu”. Assim, com suas contas desaprovadas, foi determinada a suspensão da quitação eleitoral do impugnado pelo período do mandato disputado, ou seja, de 1º/01/09 a 31/12/12.

A decisão que desaprovou suas contas, de caráter jurisdicional, obedecendo, inclusive, o contraditório, transitou em julgado, desta feita atraindo a incidência da garantia constitucional da imutabilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada. Alegou, portanto, que a desaprovação de suas contas e o consequente trânsito em julgado afetou suas elegibilidades que deverão ser aferidas quando do pedido de registro de suas candidaturas, oportunidade em que, pela Justiça Eleitoral, serão verificadas as suas vidas pregressas, possíveis condenações, que afetem suas elegibilidades. De modo que, ainda que ausente, na parte dispositiva que desaprovou suas contas, a referência à suspensão da quitação eleitoral, tal fat o não impede a afetação de suas elegibilidades, por ser consequência da decisão.

Por derradeiro alega que a decisão do TSE, em sede administrativa não tem o alcance de modificar a coisa julgada que desaprovou suas contas na campanha de 2008, observando que a lei eleitoral que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. Assim, por constituir a quitação eleitoral requisito indispensável ao registro de candidatura – condição de elegibilidade, pleiteou o indeferimento de seus registros de candidatos ante a desaprovação de suas contas nas eleições de 2008.

 Aos autos carreou os documentos de fls. 23/33.

Os impugnados, notificados, a tempo e modo, apresentaram suas defesas às fls., quando, então, alegaram, em suma que, embora, desaprovadas suas contas nas eleições de 2008, a recente Lei nº 12.034/09 acresceu o § 7º ao art. 11, da Lei nº 9.504/97, de modo que o candidato deva comprovar apenas e tão somente, que as contas de campanha eleitoral foram apresentadas, não exigindo que delas conste a aprovação ou desaprovação. Alegaram, também, que a recente decisão do TSE, ao contrário do alegado pelo impugnante, é clara no sentido de que as contas desaprovadas nas eleições de 2008 não constituem óbice à expedição de certidão de quitação eleitoral e, por consequência, não impedem que os ped idos de registros de candidaturas sejam deferidos pela Justiça Eleitoral.

Às fls. 53 manifestou o Ministério Público pela procedência da impugnação.

Neste estado os autos me vieram conclusos.

 Decido.

O candidato a cargo eletivo ao requerer o registro de sua candidatura deverá apresentar os documentos elencados no art. 11 da Lei nº 9.504/97, dentre eles a certidão de quitação eleitoral, cuja finalidade é demonstrar a ausência de descumprimento de obrigações eleitorais, o exercício do voto, acatamento às convocações eleitorais, a apresentação de contas de campanha regulares e a quitação de multas, considerando que aos não cumpridores de suas obrigações eleitorais não podem ser deferidos seus pedidos de registros de candidaturas, eis que não quites com a Justiça Eleitoral, porquanto, em situações que tais, não reúne o postulante a plenitude dos direitos políticos.

O conteúdo da certidão de quitação eleitoral tem sua definição regulamentada pela Resolução TSE nº 21.823/04, sendo que, com a recente decisão e interpretação do TSE, referida certidão, agora, terá que omitir a informação quanto à regularidade ou não, isto é, se aprovada ou desaprovada a prestação de contas de campanha eleitoral pretérita, considerando que o § 7º do art. 11 da Lei nº 9.504/97, acrescentado pela Lei nº 12.034/09, determina que a dita certidão não faça referência ao resultado e julgamento das contas de campanha eleitoral. Assim, por apertada maioria (4×3), o TSE determinou que a desaprovação das contas não mais é impedimento para obter a quitação eleitoral. Apesar de ter liberado os denominados “con tas-sujas” a disputar as eleições, o TSE enfatizou que, se houver a comprovação de que as quitações foram forjadas pelos candidatos, a contabilidade será considerada não-prestada, aí sim, aos postulantes serão indeferidos os pedidos de registros de suas candidaturas.

A interpretação do texto da Lei pelo TSE para sustentar tal posição, de modo a não constar da certidão de quitação eleitoral referência à desaprovação da conta de campanha eleitoral e, por consequência, permitir que postulantes com contas desaprovadas possam obter a quitação eleitoral e disputar o pleito, deu-se pela modalidade literal, gramatical, quando se sabe que a decisão pretérita do TSE em restringir o registro de candidaturas àqueles que tiveram as contas eleitorais aprovadas, teve por subsídio a interpretação de princípios constitucionais, lembrando que a CR/88, no seu artigo 14, não deixa margem a qualquer dúvida de que deverá ser levada em conta a vida pregressa do candidato para proteger a probidade administrativa e, portanto, o princípio da transparência nas contas públicas, seja de campanha ou não, está bem sedimentado na interpretação da Constituição feita pelas Cortes do País.

Sustentou-se, ainda, tanto o TSE quanto os Partidos Políticos e candidatos, que o Poder Judiciário estaria legislando ao indeferir o registro de candidatura àqueles que tiveram suas contas desaprovadas, quando pela atual legislação exige-se apenas que o candidato apresente, a tempo e modo, as contas de campanha à Justiça Eleitoral. Apesar de ter liberado os “contas-sujas” a disputar as eleições, a Corte enfatizou que, repito, se houver a comprovação de que as quitações foram forjadas pelos candidatos, a contabilidade será considerada não-prestada e, nesse caso, aí sim, os concorrentes serão afastados da corrida eleitoral pela Justiça Eleitoral. Ora, ao permitir o deferimento de registro de candidaturas com contas desaprovadas e/o u indeferir o registro quando as quitações forem forjadas, não estaria, também, legislando, quando a legislação atual não faz nenhuma exceção quanto à desaprovação das contas por forjá-las?

Não se trata, data venia, de legislar ou de ativismo judicial, mas sim, de escorreita interpretação da legislação que, no caso e para o caso, a interpretação não pode se dar de forma literal, gramatical. Observo que a hermenêutica jurídica nada mais é que a teoria científica da arte de interpretar, aplicar e integrar o Direito. Se o Direito existe, existe para ser aplicado, no entanto, antes de aplicá-lo, é preciso interpretá-lo, considerando que só aplica bem o Direito quem o interpreta bem. Não se desconhece, por certo, que a lei pode apresentar lacunas como no caso em comento, sendo assim é necessário completá-la a fim de que se possa dar sempre uma resposta jurídica, favorável ou c ontrária, a quem se encontra ao desamparo de lei expressa. Esse processo de preenchimento das lacunas legais chama se integração do Direito. É o que aprendemos nos bancos acadêmicos. Interpretar é fixar o verdadeiro sentido e o alcance, de uma norma jurídica, ou, então “é apreender ou compreender os sentidos implícitos das normas jurídicas”, ou como nos ensinou Clóvis Bevilaqua que “interpretar a lei é revelar o pensamento que anima as suas palavras”.

Não se pode olvidar dos três elementos que integram o conceito de interpretação, no caso a) revelar o seu sentido, isto é, descobrir a finalidade da norma jurídica; b) fixar o seu alcance para delimitar o seu campo de incidência e conhecer sobre que fatos sociais e em que circunstâncias a norma jurídica tem aplicação; e c) a norma jurídica, pois referimos em norma jurídica como gênero, uma vez que não são apenas as leis, ou normas jurídicas, já que todas elas podem ser objeto de interpretação, quais sejam: as legais, as jurisdicionais, as costumeiras e os negócios jurídicos.

Na verdade, não é exato dizer que o trabalho do intérprete apenas é necessário quando as leis são obscuras. A interpretação sempre é necessária, sejam obscuras ou claras as palavras da lei ou de qualquer outra norma jurídica. Como dito, a interpretação do TSE para permitir que os “contas sujas” possam concorrer ao pleito eleitoral deu-se na forma literal ou gramatical baseando-se tão só na letra da norma jurídica, enquanto que para o caso em questão a interpretação teria que dar-se pela forma lógico-sistemática que busca descobrir o sentido e alcance da norma, situado no conjunto do sistema jurídico procurando compreendê-la como parte integrante de um todo, em conexão com as demais normas jurídicas que com ela se articulam logicamente e/ou pela forma teleológica que busca o fim que a norma jurídica tenciona servir ou tutelar.

Por mais confuso que seja um texto legal, seu sentido é sempre determinável pela sua conjugação com outros textos de igual ou superior escalão hierárquico, construindo um todo sistemático e com sentido. Sentido, diga-se, que não é construído subjetivamente, mas na intimidade de um discurso social e intersubjetivo.

As normas jurídicas são significações extraídas das proposições prescritivas. Não são elas o sentido de um único artigo de um determinado diploma legal, mas a significação dos textos positivados e dos princípios jurídicos que embebem o sistema, de modo que um artigo há de ser lido e compreendido dentro da estrutura total do ordenamento jurídico em que ele se insere como parte.

São as normas jurídicas a totalidade significativa que forma uma unidade completa de sentido deôntico (Teoria da incidência da norma jurídica, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 29 et seq. – Professor Thales Tácito), razão pela qual podemos falar serem elas modelos jurídicos, ou seja, o conteúdo normativo posto pelas fontes do direito. E os modelos jurídicos resultam de uma pluralidade de normas entre si articuladas compondo um todo irredutível às suas partes componentes (REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito: para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 30). Essa a razão pela qual é já um truísmo o dizer-se que não se interpreta o direito em pedaços como fez, data vênia, o TSE, como fosse um artigo de lei bastante em si para comportar completamente um sentido normativo. A proposição veiculada por um dispositivo dialoga com outros dispositivos do mesmo diploma legal e com outros dispositivos de outros diplomas do mesmo e de outro escalão hierárquico, compondo um todo prescritivo.

Como nos adverte Reale, ao compreendermos o conteúdo da fonte do direito (leis, decretos, portarias, etc.) como modelos jurídicos, temos uma estrutura significativa prescritiva que se projeta histórica e socialmente no tempo, até enquanto a fonte estiver em vigor, se vinculando à experiência jurídica, nada obstante obedecendo às mutações fático-valorativas que nesta operam (REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito, cit., p. 39). O sentido social conativo institucionalizado que é a norma jurídica é sempre in fieri, é dizer, sofre mutações em razão da dialética implicação entre fatos, valores e normas. Dirá Reale, então, que os modelos jurídicos nunca deixam de ser momentos da experi ência jurídica mesma, enquanto expressão do mundo da cultura.

Pois bem. Diz o § 7º, do art. 11 da Lei nº 9.504/97, incluído pela Lei nº 12.034/09, que a certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocação da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral (gn).

Se assim é, então qual a razão e finalidade da apresentação de contas de campanha eleitoral pelos candidatos? Por que exigir a apresentação sem se importar com o conteúdo das contas? Por certo, se a lei exige a apresentação das contas é porque elas deverão ser analisadas, apreciadas, avaliadas, não só no aspecto formal, quanto material para, ao final, ser ou não aprovadas. Inconcebível a apresentação de contas que não sejam para ser aprovadas ou não. Não há outra interpretação razoável e aceitável que não seja essa, pois caso contrário o candidato, duvidando da existência de vida inteligente na Justiça Eleitoral, e podem ter certeza que duvidam mesmo, em um papel qualquer, p oderá “rabiscar” quaisquer números, juntar alguns recibos e entregar à Justiça Eleitoral e pronto, as contas estão prestadas. Atendeu-se ao comando legal.

Não podem prosperar os argumentos dos Partidos e candidatos de que não há na atual legislação a exigência de julgamento do mérito para que o candidato seja habilitado a disputar eleições. Realmente não está expresso na atual legislação, no entanto a interpretação escorreita, seja pelo método lógico-sistemático ou teleológico, permite e admite concluir que se há exigência de prestação e apresentação de contas é para que o seu conteúdo (mérito) seja aprovado ou desaprovado e, ainda, em caso de desaprovação, alguma consequência (punição) dela advirá, por certo. Ora, pois! Sabe-se que a Lei sem sanção é tal qual o sino sem badalo, tem apenas aparência, mas não tem efetividade. A lei torna-se inócua, porque não prev ê sanção aos infratores. É uma lei que tende a não produzir efeito, pois se a norma não tiver sanção, se torna um comando que cai no vazio.

Não precisa de muito tirocínio para entender que a coercibilidade é a possibilidade de a conduta transgressora (contas desaprovadas) sofrer coerção, isto é, repressão. As normas jurídicas distinguem-se pelo tato de contagem com as força coercitiva do Estado para impor-se sobre as pessoas. O mesmo já não ocorre nas regras extra jurídicas que estão fora do mundo jurídico. Assim, se alguém desrespeita uma norma religiosa – por exemplo: o católico que não vai à missa, o crente que não vai ao culto, sua conduta ofende apenas aos ensinamentos de sua religião. O Estado não reage a esta ofensa, já que, no Brasil vivemos num regime de liberdade de crenças e convicções. A norma religiosa não possui coercibilidade. Entretanto, se uma pessoa mata alguém, sua ação fere uma conduta prevista no Código Penal, e essa conduta tipificada provocará a reação punitiva do Estado. Em resumo: resguardando o direito, existe a coerção (força) potencial do Estado, que se concretiza com alguma forma de sanção, no caso a punição. A sanção deve ser aplicada à pessoa ou instituição que transgrediu a norma jurídica. Caracterizando-se somente em sanções nos casos de desobediência ou transgressão do dever jurídico.

Assim, tenho que o atual dispositivo da lei, quando utiliza o termo “apresentação”, não está se contentando apenas que o candidato protocolize sua prestação de contas na Justiça Eleitoral. É necessário que haja a aprovação das contas. A exegese do dispositivo não pode ser meramente literal como quer crer o TSE, deve ser finalística. Caso contrário, o objetivo da lei seria aniquilado e impediria que a Justiça Eleitoral fiscalizasse efetivamente as contas de campanha do candidato. Seria um absurdo aceitar que o candidato “finja que presta as contas” e a Justiça Eleitoral “finja que as julga”.

Não pode ser dada à lei a interpretação truncada que redunda na própria negativa de sua aplicação. Logo, tanto a ausência de protocolização da prestação de contas, como a sua apresentação e desaprovação, geram a falta de quitação eleitoral, e sua ausência impede o candidato de obter a certidão de quitação eleitoral e a “punição”, como consta da Resolução nº 22.715/08, é o indeferimento do registro, eis que referida Resolução deve ser observada e aplicada àqueles que disputaram o pleito e tiveram as contas desaprovadas por decisão transitada em julgado. A interpretação do TSE, por certo, não rescindiu as contas desaprovadas. As contas permanecem desaprovadas. O conceito mais benéfico constante do § 7º do art. 1 1 da Lei nº 9.504/97, introduzido pela Lei nº 12.034/09, vale somente para as futuras prestações de contas, não retroagindo para alcançar as prestações de contas pretéritas, porque a CR/88 somente impõe a retroatividade máxima da lei para o Direito Penal, e em benefício do réu.

Ainda que repetitivo, embora tenha a maioria do TSE entendido que a desaprovação das contas não é impedimento para obter a quitação eleitoral, ao enfatizar que, se houver a comprovação de que as quitações foram forjadas pelos candidatos, a contabilidade será considerada “não-prestada” e, nesse caso, os postulantes serão afastados da corrida eleitoral pela Justiça Eleitoral, lembro que é perfeitamente possível equiparar às contas não apresentadas as que foram desaprovadas, porque se foram desaprovadas é porque ou não atentaram para a forma, ou porque apresentaram irregularidades insanáveis, portanto foram forjadas.

As contas desaprovadas em razão de eventuais irregularidades obedeceram ao devido processo legal, ao contraditório. Há um procedimento administrativo: os técnicos analisam as contas, através do cartório eleitoral, podem pedir diligências para sanear algum ponto ou retirar dúvidas e, ao final, apresentam o seu relatório final, ou seja, um parecer técnico. O Ministério Público é chamado a se manifestar. Eventualmente, poderá o candidato apresentar alguma peça, contestando o parecer apresentado e suprindo ainda algum ponto pendente. Depois, o Juiz Eleitoral se pronuncia sobre as contas, aprovando-as, com ou sem ressalvas, ou rejeitando-as. Da decisão, caberá recurso inominado ao Tribunal Regional Eleitoral e/ou TSE, conforme o caso, que apreciará os argumentos das partes dando ou não provimento ao recurso.

Assim é inconcebível crer inexistente em qualquer comuna um contador que não pudesse assessorar os partidos e candidatos quanto à forma e conteúdo da prestação de contas; inimaginável, quando da apresentação das contas, e diante da constatação de alguma irregularidade, não fosse o candidato notificado pelo cartório e Juiz Eleitoral para a devida regularização e, por certo não o fazendo, tal se deu ou pelo desinteresse do candidato, então deve arcar com sua desídia ou, então, porque insanável (forjada). Veja-se que neste particular o raciocínio coaduna com a interpretação do próprio TSE.

A apresentação de contas não é uma formalidade, é algo que define a concepção democrática de Estado. Não é segredo a ninguém de que as regras de prestação de contas são de fácil entendimento e, quem teve suas contas rejeitadas está se candidatando a um cargo público relevante, e não exigir sejam as contas aprovadas é um retrocesso.

O candidato sabe como pode gastar e de quem pode e não pode receber. As regras do jogo eleitoral são claras. Como pode aceitar o candidato não saber nem prestar contas? A prevalecer o entendimento do TSE, além de retrocesso traz prejuízo para a prestação da Justiça Eleitoral porque vai liberar a candidatura de pessoas que não têm o menor predicado para se lançarem candidatos. A decisão do TSE é numa resolução, é no exercício da atividade regulatória do TSE. A interpretação da lei, que se baseou a minoria do TSE e a antiga maioria, afirma que finalisticamente a lei exige que as contas sejam apresentadas por uma razão e com uma finalidade: contas aptas à aprovação.

Ao apresentar seu voto-vista, a Ministra Nancy Andrighi defendeu a exigência não apenas da apresentação das contas, como ocorreu nas Eleições 2010, mas também da sua aprovação pela Justiça Eleitoral para fins de obter a certidão de quitação eleitoral. A certidão de quitação eleitoral é documento necessário para obtenção do registro de candidatura, sem o qual o candidato não pode concorrer.

De acordo com a Ministra, não se pode considerar quite com a Justiça Eleitoral o candidato que tiver suas contas reprovadas. “O candidato que foi negligente e não observou os ditames legais não pode ter o mesmo tratamento daquele zeloso que cumpriu com seus deveres. Assim, a aprovação das contas não pode ter a mesma consequência da desaprovação” (gn), disse Nancy Andrighi ao reafirmar que quem teve contas rejeitadas não está quite com a Justiça Eleitoral.

Digno, também, de menção é o fato de que o dever de prestar contas é matéria constitucional e não pode ser afastado por Resolução. Assim, o preceito constitucional da prestação de contas do administrador público (art. 70, da CR/88) deve ser aplicado, sob pena de ferir de morte o mais sagrado princípio constitucional da accountability,podendo a decisão judicial contribuir, ainda que indiretamente a manutenção de atos de corrupção, ao permitir que candidato “conta suja” concorra às eleições. Nesse sentido: “O dever de prestar contas é matéria constitucional (princípio constitucional da obrig atoriedade de prestação de contas – princípio da accountability). Este princípio é ‘sensível’, pois pode levar à intervenção federal no estado-membro (art. 34, VII, ‘d’, da CF/88)”. Mais essa: “O dever de prestação de contas existe antes mesmo da Lei nº 9.504/97, pois o art. 93 do antigo Decreto-Lei nº 200/1967 determinava o dever para quem emprega dinheiro público” (Ministro Joaquim Barbosa, TSE, PA 19.899).

Ministro Carlos Ayres Brito também entendeu ser “prestação de contas” matéria constitucional (arts. 34 e 70 da CF/88), porque pode levar à intervenção federal, pois autonomia (art. 18 da CF/88) e indissolubilidade (art. 1º, caput, da CF/88) são “dois anéis de saturno” da federação, e a não apresentação de contas leva à suspensão da autonomia da federação. Segundo Brito“a prestação de contas é um princípio ‘republicano’ por excelência. Outro elemento conceitual da ideia de República é a responsabilização no plano pessoal (intransferível), pois na Monarquia a Constituição Monárquica dizia que o ‘imperador era irresponsável’ (a pessoa dele era sagrada, inviolável e juridicamente irresponsável, pois era o Ministro que respondia pelos atos do imperador). A República com esta tradição da irresponsabilidade pessoal’ e não admite qualquer ideia de prestação de contas que não se dê no plano rigorosamente pessoal” (TSE, PA 19.899).

Ministro Ricardo Lewandowski entende que a “atemporalidade” ou imprescritibilidade da prestação de contas está correta, pois o art. 37, § 5º, da CF/88 entende que a restituição do erário é imprescritível. Assim, o princípio da accountabiulity (dever de prestar contas) citado pelo Ministro Joaquim Barbosa encontra-se atrelado a outro: o da responsabilidade – responsibility (TSE, PA 19.899). Vale dizer, não basta prestar contas de forma simbólica e sim, devem ser materialmente verdadeiras, leia-se, devem estar aprovadas pela Justiça.

Também, oportuno não perder de vista, que a matéria de prestação de contas é administrativa, eis que referida prestação faz coisa julgada administrativa, logo, não cabe rediscussão em procedimento administrativo. Matéria de registro de candidatura é administrativa, tanto que o juiz pode de ofício, mesmo sem a ação de impugnação de registro de candidatura – AIRC, impugnar o candidato. A Ministra Carmem Lúcia, relatora do Agravo Regimental em Mandado de Segurança nº 2239744920 – Morrinhos/CE, asseverou que as decisões proferidas em prestação de contas, quando ainda dotadas de natureza administrativa, assim consideradas aquelas anteriores à edição da Lei nº 12.034/09, suje itam-se à preclusão pelo princípio da segurança jurídica.

Por tudo que se expendeu, é razoável concluir que continua sem quitação eleitoral o candidato que descumpre a legislação eleitoral relativa à movimentação de recursos de campanha e, por isso, tem suas contas rejeitadas. Ainda que repetitivo, animo-me a afirmar que o conceito mais benéfico constante do § 7º do art. 11 da Lei nº 9.504/97, introduzido pela Lei nº 12.034/09, vale somente para as futuras prestações de contas, não retroagindo para alcançar as prestações de contas passadas, porque a CR/88 somente impõe a retroatividade máxima da lei, repito, para o Direito Penal, e em benefício do réu.

Mais. A Lei nº 9.504/97, ao definir o conceito de quitação eleitoral, não introduziu norma penal no ordenamento eleitoral, e sim, norma civil-eleitoral e, também, porque inexistem normas tácitas de clemência soberana, exigindo a Constituição que estas manifestações do Poder Público sejam expressas. Logo, a redefinição de quitação eleitoral não implicou, ainda que tacitamente, extrair a mens legis de tornar impunes os infratores à Resolução de regência das eleições de 2008, considerando que incide o princípio da anterioridade da lei eleitoral, em conformidade como tratamento isonômico dado aos candidatos de um pleito determinado, bem como o respeito aos atos jurídicos perfeitos e ao postulado da duração razoável do processo.

Acerca do tema ponderou José Eduardo Martins Cardozo, em sua obra – Da retroatividade da lei, ed. RT, São Paulo, 1995, p. 258: “(…) outrossim, coaduno com o posicionamento de que a Lei nº 12.034 não retroage para alcançar os casos de prestação de contas julgados. Contudo, entendo que, a partir de 30/09/2009, a desaprovação de contas não é óbice à quitação eleitoral, eis que a Lei nº 12.034 tem aplicação imediata. Portanto, verificando que o requerimento foi protocolizado no dia 01/12/09, data em que não mais se aplicava o art. 41, § 3º, da Resolução nº 22.715/08, reputo preenchido os pressupostos para emissão da certidão de quitação eleitoral, motivo pelo qual divirjo do ilustre relator para dar provimento ao recurso. É como voto”.

E por fim considerando que a Lei nº 12.034 que apenas exige que o candidato apresente as contas à Justiça Eleitoral, não necessitamos de nenhuma elucubração mental para concluir que os atuais candidatos nas eleições deste ano, eis que nenhuma punição está prevista, com que seriedade irão prestar suas contas? Ora, pois, por certo prestarão suas contas sem a preocupação com a sua forma e conteúdo. E qual a razão dos técnicos da Justiça Eleitoral debruçar sobre elas para verificação, cruzamento de dados, conferência de recibos, de doações, sabendo de antemão que nenhuma “punição” advirá das contas “faz de conta”? Qual a motivação e/ou empenho do Juiz Eleitoral em decidir pela aprovação ou não, se nenhuma consequência dela advirá?

Não se pode, também, deixar de considerar, conforme muito bem visualizado pelo impugnante que mesmo que não consignada na decisão de desaprovação das contas de campanha a expressa referência à suspensão da quitação eleitoral, o que não é o caso concreto aqui apreciado, o fato é que esta afetação da elegibilidade é consequência que se anexa automaticamente à decisão de desaprovação, efeito dela direto e imediato, porque constitui implicação da própria conduta irregular afirmada na sentença e prevista na norma, para incidência em toda e qualquer hipótese de rejeição de contas de campanha. Assim, ninguém duvida de que, quando da análise do pedido de registro de candidatura, a Justiça Eleitoral deverá verificar se há, na vida pregressa do postulante, alguma condenação a que deva ser agregada a consequência legalmente prevista de afetação da sua elegibilidade.

O conceito de vida pregressa, sabemos, é um dos mais controvertidos pontos atinentes ao tema em debate, seja em razão de seu subjetivismo, seja em virtude da inexistência de definição legal, ou ainda, em razão dos diversos interesses eleitorais ao qual se vincula, tal indefinição torna ainda mais difícil a interpretação do disposto pelo art. 14, § 9º da Constituição da República.

O legislador afastou da matéria eleitoral a aplicação do princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, pois não fora assim, não faria referência em vida pregressa, considerando que a expressão vida pregressa designa o conjunto de dados públicos relevantes que marcam a história de um indivíduo. Fácil perceber que, quando se autoriza a consideração da vida pregressa como causador de inelegibilidade, tem como fundamento não a culpa do agente, mas sim a prevenção do mandato em suas dimensões éticas. Não se trata jamais, por certo, de considerar alguém antec ipadamente culpado, mas de verificar a presença de elementos capazes de, na esfera estritamente eleitoral, suscitar a necessidade de adoção da atividade preventiva a que alude a primeira parte do § 9° do art. 14 da CF. Nesse contexto, é de grande importância o princípio constitucional insculpido no art. 14, § 9º da Carta Magna, onde se privilegia a moralidade ao exigir-se a análise da vida pregressa do indivíduo como uma condição de elegibilidade.

Em síntese, o que devemos seguir é a postura, tão somente, de que as normas de Direito Eleitoral sejam interpretadas em harmonia com os postulados expressos na Constituição Federal, todos voltados para a construção de uma democracia plena em que a dignidade humana e a cidadania sejam consideradas como o centro de todas as suas atenções.

Ademais, a existência de vida pregressa do candidato marcada por envolvimento em ilícitos de quaisquer natureza, investigados nas mais diversas instâncias judiciais, operam contra a necessária moralidade exigida para o deferimento de algum registro de candidatura. Portanto, resta claro que o ordenamento jurídico pátrio conta com diversos mecanismos que devem ser utilizados com o objetivo de manter longe da Administração Pública pessoas reconhecidamente sem probidade, de passado suspeito, com participação em práticas delituosas e/ou ilícitas, de modo que é possível concluir pela incidência dos princípios que regem o Direito Administrativo, sobretudo no que tange à proteção à mor alidade e probidade dos candidatos.

Nunca é demais lembrar que o artigo 14, § 9º, da Constituição da República deve ser interpretado teleologicamente, a fim de que lhe seja conferida auto-aplicabilidade, como meio de garantir a tutela da probidade administrativa e da moralidade dos atos de gestão pública. Não se pode confundir inelegibilidade com condições de elegibilidade e nesta última a Justiça pode e deve incidir. Já disse o Ministro Carlos Ayres Britto, que a moralidade pública é uma condição de elegibilidade implícita, portanto, um princípio-político constitucional tácito do sistema. Por tal posição, tenho que é da Justiça Eleitoral a incumbência de dizer se em face de fatos e de sua natureza, fica suficientemente revelada uma vida pregressa incompatível com a dignidade do cargo em disputa, não para torná-lo inelegível e sim para suprimir-lhe uma condição de elegibilidade implícita.

Denota-se que as condições de elegibilidade têm rol exemplificativo, sendo, portanto, a moralidade uma de suas espécies. Outro exemplo para ilustrar que o rol não é taxativo, citado por Fernando Neves, é a falta de prestação de contas ou multa não paga, pois gera a ausência de quitação eleitoral e como tal, impede o registro futuro, cf. previsto na Resolução nº 21.848/04. Logo, a quitação eleitoral é uma condição de elegibilidade.

Por fim, considerando a recente decisão do TSE em permitir aos “conta sujas” postular suas candidaturas e, ao decidir pelo indeferimento do pedido do registro, considerando a desaprovação das contas de campanha do impugnado, sei que estou indo, no caso, na contramão do entendimento da Corte Eleitoral, mas de vez em quando é necessário clamar no deserto, isto porque os juízes não se vinculam às decisões dos Tribunais, pelo menos no caso não há que se falar em súmula vinculante, mas à lei, ou na lição do notável Amílcar de Castro: “mesmo uniforme e diuturna, a jurisprudência não tem força de obrigar os juízes a segui-la” . No mesmo sentido, inteligem o Ministro Cunha Peixoto na Ap. nº. 36.612 e Pedro Lessa citados por Lopes da Costa, 3º v., nº. 286, DPCB.

Assim, por tudo que se expendeu, julgo procedentes as impugnações para declarar em relação aos impugnados nomeados e devidamente qualificados, a falta de condição de elegibilidade implícita (moralidade), e, via de consequência, negar-lhes os pedidos de registros de suas candidaturas.

 Monte Sião, 1º/08/12.

Milton Biagioni Furquim

Juiz Eleitoral

Esta entrada foi publicada em Informativo da Prefeitura Municipal. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

6 Responses to JUIZ CONSIDERA CANDIDATOS IMPUGNADOS!!

  1. Avatar de Renato Rodrigues Renato Rodrigues disse:

    E pra alegria do povo Jefinho denovo!

  2. Avatar de Lúcio Costa Lúcio Costa disse:

    O Juíz de Monte Sião está de parabéns, bem que poderia todos os Juízes de nosso Brasil, também fosse contra esta indecência que acontecem em nossa Política….falta de moral, de justiça, de ombridade!!!! O exemplo maior deveria vir de Brasília e dos Tribunais Regionais, mas os interesses pessoais e a falta de caráter de muitos…deixam uma lacuna preta em nossa justiça eleitoral…pois justiça no geral, serve na maioria das vezes… só para ladrão de galinha e pensão alimentícia!!!!!

  3. Avatar de Marcio Garcia Marcio Garcia disse:

    É ruimmmm de eu ler tudo isto !!!!

  4. Avatar de Fred Fred disse:

    Quanta papagaiada….rssss
    A…antes que eu esqueça… PARA A ALEGRIA DO POVO…JEFFINHO DE NOVO!!!!

  5. Avatar de Renato Rodrigues Renato Rodrigues disse:

    Eu axo que nem o povo do vale depedente le isso td. Senao teria resumido. Nao tem explicacao colocar um texto desse tamanho. A nao ser pra encher linguica no blog. Pois ‘e issso ou e’ propaganda.

Deixe um comentário