Tenho me deparado com situações em que tenho exigido um verdadeiro esforço hemenêutico para julgar a lide. O Juiz deve julgar o pedido de acordo com a causa de pedir, mais precisamente os fatos narrados, isto é, causa de pedir próxima e a remota. O Juiz não está preso ao fundamento jurídico invocado pela parte, podendo acolher por fundamento jurídico desde que esteja de acordo com a causa de pedir e pedido. Isto porque o fundamento jurídico é apenas uma proposta de qualificação jurídica de determinado fato e, como tal, o juiz conhece da questão jurídica com base no brocardo iura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus. Não se confunde fundamento legal como fundamento jurídico.
A aplicação da norma é uma questão de direito, devendo ser conhecida de ofício pelo julgador com base no princípio iuria novit curia.
Não se confunde fundamento jurídico com o fundamento legal, cf. dito. O primeiro constitui a qualificação jurídica do fato ao passo que o segundo seria a indicação do dispositivo legal aplicável. Nos termos do art. 282, III do CPC, exige-se o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, ou seja, isto é a qualificação jurídica do fato.
Com efeito, não se deve confundir fundamento jurídico com fundamento legal, haja vista que o magistrado não está vinculado à argumentação das partes, podendo aplicar as normas que entender atinentes a espécie, com base no princípio iura novit cúria.
Ora, é sabido que a qualificação jurídica não vincula o magistrado no julgamento da causa, uma vez que compete ao juiz conhecer e aplicar o direito a espécie, isto é, iura novit curia e narra mihi factum dabo tibi jus. Em verdade, a qualificação jurídica nada mais é do uma proposta de solução jurídica endereçada ao juiz da causa que pode conferir qualificação jurídica diversa, desde que não extrapole os limites fáticos da demanda. Neste sentido, é o escólio de Cândido Rangel Dinamarco: “Vige no sistema processual brasileiro o sistema da substanciação, pelo qual os fatos narrados influem na delimitação objetiva da demanda e consequentemente da sentença (art. 128), mas os fundamentos jurídicos, não . Tratando-se de elementos puramente jurídicos e nada tendo de concreto relativamente ao conflito e à demanda, a invocação dos fundamentos jurídicos na petição inicial não passa de mera proposta ou sugestão endereçada ao juiz, ao qual compete fazer depois os enquadramentos adequados – para o que levará em conta a narrativa de fatos contida na petição inicial, a prova realizada e sua própria cultura jurídica, podendo inclusive dar aos fatos narrados e provados uma qualificação jurídica diferente daquela que o demandante sustentara (narra mihi factum dabo tibi jus)”.
Destaco alguns precedentes: “PROCESSUAL CIVIL. REAJUSTE DE BENEFICIOS. SENTENÇA PROFERIDA DENTRO DOS LIMITES DO PEDIDO. 01. Na petição inicial o autor deve deixar claro o pedido e a causa de pedir, não sendo dele exigido que indique os fundamentos legais em que se baseia a sua pretensão. 02. O poder de dizer o direito e do magistrado, e, para tanto, ele deve ser conhecedor das leis e das normas aplicáveis em cada caso (iura novit curia). 03. Não julga de forma “ultra petita” a sentença que reconhece o direito pleiteado, baseada em normas distintas das citadas pelo autor na petição inicial. 04. O critério do calculo do beneficio a ser concedido é aquele previsto na lei vigente quando da concessão do mesmo (tempus regit actum). 05. O direito ao recebimento dos pagamentos pleiteados junto a previdência social prescreve em cinco anos da data em que se tornaram devidos. 06. Apelações improvidas.” “PROCESSO CIVIL. LITISPENDÊNCIA. CARACTERIZAÇÃO. 1. De acordo com o artigo 301, § 2º, do Código de Processo Civil, “uma ação é identica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido”. 2. Não se confunde “fundamento jurídico” com “fundamento legal”, sendo aquele imprescindível e este dispensável, em respeito ao Princípio “iura novit curia” (o juiz conhece o direito). 3. Aplicando o disposto no artigo 474, do CPC, há que se aceitar que uma nova ação, coincidindo em partes, pedido e causa de pedir com outra já em trâmite, não tem cabimento se os autores já eram conhecedores dos fundamentos utilizados quando do ajuizamento da primeira, e não o fizeram, como no caso em tela, por conveniência ou incúria. 4. Recurso especial improvido.” “PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. CAUSA PETENDI. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DO PEDIDO, A PARTIR DE UMA ANÁLISE GLOBAL DA PETIÇÃO INICIAL. PEDIDO GENÉRICO DE INDENIZAÇÃO. I – Nos termos da doutrina, a causa petendi é o fato ou conjunto de fatos a que o autor atribui a produção do efeito por ele pretendido. II – O pedido é o que se pretende com a instauração da demanda e se extrai da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, sendo de levar-se em conta os requerimentos feitos em seu corpo e não só aqueles constantes em capítulo especial ou sob a rubrica “dos pedidos”. III – Não há julgamento extra petita quando a parte procura imputar ao réu uma modalidade de culpa e o julgador, diante da prova dos autos, entende caracterizada outra. Na linha de precedente do Tribunal, “em nosso Direito vigora o princípio de que as leis são do conhecimento do juiz, bastando que as partes apresentem-lhe os fatos, não estando o julgador adstrito aos fundamentos legais apontados pelo autor”.
O mais importante é que o Juiz não julgue com base em fato principal não alegado pelas partes. Isto gera um problema sério e até frustrar o direito da parte porque o Juiz não pode acolher o pedido com base em causa de pedir que não foi alegada e possui autonomia. Se os advogados tiveram maior preocupação de conhecerem melhor da questão (o advogado é considerado o primeiro juiz da causa), facilitaria enormemente o trabalho do Juiz e o processo caminharia mais rápido.
Eu não consigo julgar uma coisa se não entender o que de fato aconteceu. Uma eventual falha do advogado pode comprometer o direito da parte. Eu já julguei demandas em que a parte perdeu a causa porque: 1) a parte deixou de alegar um fundamento relevante que não integrava a causa de pedir; 2) propôs a ação errada (reintegração quando era causa de reintegração; busca e apreensão quando era causa de reintegração. Como juiz eu tento aproveitar ao máximo o processo, mas tudo tem limite e um deles é o de não causar surpresa a parte contrária.
Assim, concluindo, como já dito, o primeiro juiz da causa é o advogado e propor uma ação quando constituído advogado pelo cidadão – parte, não é aventurar-se pelo mundo jurídico, pois ou conhece ou não o direito. Equívocos é sempre passível de cometer-se tanto pelo advogado como pelo Juiz, mas o que não é admissível e desconhecer o Direito a ser aplicado à questão – lide, a ser proposta perante o Judiciário em busca de um provimento jurisdicional, lembrando que o advogado pode ser responsabilizado civilmente pela parte (constituinte) ao propor uma ação errada.
A atividade advocatícia é uma atividade meio e não fim, assim, a responsabilidade do advogado não é objetiva e sim subjetiva, ou seja, somente é responsável pela sucumbência se atuar com culpa ou dolo, sendo que a culpa ocorre no caso de imperícia, imprudência ou negligência.
O advogado deve desempenhar seu ofício com cautela, dedicação, prudência e diligência. Neste sentido não podem ser admitidos erros claros, grosseiros e inescusáveis.
Aquele profissional que ajuíza ação inviável, como por exemplo, pleiteando direito prescrito ou sobre o qual se operou a decadência, acarretando danos ao cliente, o qual se soubesse, não teria realizado gastos inúteis, fica obrigado a ressarcir o dano a que deu causa.
O profissional que ingressa com uma ação inexistente ou absolutamente inadequada para a hipótese, deverá responder por esse fato. Principalmente, nas hipóteses em que atuar dolosamente, podendo ainda responder por má-fé, sem prejuízo das outras responsabilidades.
O processo é uma série de atos tendentes a um fim. Assim, uma providência incidente, uma diligência indispensável da qual se tenha descuidado o profissional poderá acarretar danos ao cliente. Lembro que se a sentença desfavorável pela incúria do advogado não puder ser reformada, essa situação poderá ocasionar a indenização por parte do cliente prejudicado, junto a seu advogado. Como bem nos lembra Antônio Laért Vieira Júnior: “Essa particularidade é uma faceta acidental do exercício da profissão do advogado, que vem mesmo recomendar àqueles que se dispõem a exercer essa profissão que não há lugar para descuidos e, bem assim, laboratórios de experiências, já que invariavelmente poderá dar ensejo ao perecimento de direitos”.
Devemos nos lembrar de que o fato mais relevante na contratação do advogado é a confiança que o cliente lhe deposita. De fato, o não comprometimento do advogado com a causa para a qual foi contratado, faz com que aquele que o contratou para defender seus interesses sinta-se desprotegido, quebrando até mesmo essa relação de confiança. Muitas hipóteses poderão se verificar e que poderão acarretar a indenização por parte do cliente prejudicado que teve que suportar o dano. Além disso, fica claro que essa ocorrência será sempre desabonadora ao profissional, que possui a incumbência de agir com zelo.
Outra questão interessante. Pode ocorrer que o advogado no afã de defender os interesses de seu cliente, lance mão de expedientes, os quais se amoldam no artigo 17 do Código de Processo Civil. Neste caso estaremos diante da litigância de má-fé, que poderá acarretar a condenação deste à multa não excedente a 1% sobre o valor da causa e à indenização da parte contrária nos prejuízos que sofreu, mais honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou, o que poderá ser reconhecido pelo juiz ou a requerimento da parte contrária (art. 18, do CPC).
A negligência a ponto de gerar para o cliente o ônus de vir a ser condenado por litigância de má-fé acarreta ao advogado, o dever de indenizar, porquanto que é ele quem deve pesar a conveniência ou não de se adotar determinada providência, já que a parte carece de conhecimentos técnicos suficientes para avaliar os benefícios e os riscos decorrentes desta posição.
O bom advogado deve sempre estar atento às infrações aos seus deveres de aconselhamento, no caso dos pareceres, e aos deveres de diligência e prudência. Sem falar, na observação dos padrões de ética.
É importante que os advogados despertem para essa questão e observem que o exercício da advocacia requer constante estudo, prudência, eficiência e vigilância, pois de outra forma, poderão incorrer em danos capazes de abreviar suas carreiras por causarem perdas a clientes, nem sempre reparadas de forma satisfatória. Como bem desejou Antônio Laért Vieira Júnior: “Que os advogados de hoje e do futuro sejam homens de bem e de paz, tribunos da liberdade e da ética. Que sua atuação correta, altaneira e leal projete sobre os telhados das cidades frutos de transformação, construção e reconstrução de novos homens que exerçam e pratiquem a justiça com novo ardor, novos métodos, novo instrumental, novo meios, para que o Direito possa verdadeiramente entregar a cada um o que é seu”.
Monte Sião, 1º/07/12.
Milton Biagioni Furquim – Juiz de Direito

























